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Aprendizado na pandemia

Josélia Aguiar*

Na minha chegada à Biblioteca Mário de Andrade, tive como primeira grande meta organizar uma curadoria com mais literatura, a mais plural que fosse possível, ampliando e diversificando a programação cultural gratuita dedicada a livro e leitura. A maior biblioteca de São Paulo, segunda maior do país, havia estabelecido nos cinco anos anteriores uma belíssima agenda de artes visuais e teatro, ainda sem assumir maior protagonismo com relação a literatura. Incentivar a leitura é, por lei, a missão desse equipamento cultural simbólico de São Paulo, que chegará a seu centenário em cinco anos.

         

Combinada a essa nova configuração da área de Ação Cultural, veio a necessidade de atualizar o acervo, dando acesso aos leitores a títulos contemporâneos, de uma variedade ainda maior de editoras, com autores e autoras de origens e perspectivas distintas. O passo adiante será potencializar nosso programa de mediações e clubes de leitura, articulando as ações e investigando com maior apuro seus resultados.

         

Um ano depois de minha chegada, a Covid 19 nos pegou de surpresa quando estreávamos uma agenda imprensa, em formato de marcador de páginas, com os eventos de março e abril de 2020 –preservando todas as linguagens, colocamos em maior evidência a literatura, as humanidades e a ciência. Com os trâmites inevitáveis da burocracia, foi preciso um ano para conseguir essa antecedência no planejamento, somando um time empenhado e criativo de curadores e produtores.

         

De portas fechadas, assim como todas as demais bibliotecas, deixamos leitores sem ter como levar livros emprestados, realizar pesquisas em nossas coleções ou usufruir dos nossos espaços de leitura e estudo. Duas questões se colocam para refletir, desenhar as próximas estratégias, imaginar o futuro: como colocar à disposição dos leitores, em ambiente digital e remoto, acervos e serviços de informação? Sem dúvida isso significa democratizar, ao mesmo tempo simplificar e sofisticar, apostando em novas tecnologias.

         

Durante a quarentena, foram as redes sociais o nosso espaço para atender ao público. No instagram, a equipe deu dicas de acervos online e fez mediações de leitura. No canal do youtube, passou a existir um calendário de apresentações de teatro e música, aulas e encontros gravados em vídeo às segundas, quartas e sextas, sempre às 19h. Organizados em teletrabalho, funcionamos no mesmo ritmo de antes. Dois meses após ser iniciada a nova programação online, conseguimos dobrar o número de inscritos no canal do YouTube, chegando a mais de 100 mil visualizações. Antes da pandemia, ainda não existia a preocupação de ampliar nossa presença nas redes porque a prioridade era atrair gente para nosso espaço físico. Na retomada, consideramos não interromper o que construímos com tal vigor. Estamos agora, por restrições da lei eleitoral, sem programação online até dezembro.

 

A nova programação online foi parte mais visível, mas houve muito trabalho nos bastidores.

 

Uma coincidência, a pandemia aconteceu quando uma nova equipe de planejamento e infraestrutura ingressava. Aproveitamos a ausência de público para procedimentos de manutenção nos dois edifícios: a sede, cuja torre de livros atinge 22 andares, e a hemeroteca, com seus 15 andares de jornais e revistas. Bibliotecários que não puderam exercer suas atividades usuais se somaram à equipe de catalogação de livros. Uma parte da equipe passou por treinamentos para aprimorar processos administrativo-financeiros. Outra parte, por treinamentos sobre mediação e clubes de leitura, com o plano de reabrirmos tendo já desenhado um programa mais integrado e ativo para formar leitores. Está em pleno andamento um processo de compras que reuniu grande lista de 77 editoras, atualizando o catálogo tendo em vista a bibliodiversidade, a partir de um edital criado no âmbito das discussões junto ao conselho do PMLLLB - Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca de São Paulo, cujas atividades se iniciaram pouco antes da quarentena.

         

Não queremos, obviamente, uma nova pandemia. Mas esta experiência tão dolorosa contribuiu para um aprendizado profundo.

*Josélia Aguiar (Salvador da Bahia, 1978) é jornalista, curadora, escritora e editora. Doutora em História pela Universidade de São Paulo, foi editora da revista Entrelivros e trabalhou na Folha de S. Paulo e em Valor Econômico. Foi a curadora das edições de 2016 e 2017 da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), é a autora de Jorge Amado: uma Biografia (Editora Todavia; Prêmio Jabuti 2019) e, desde, março de 2019 diretora da Biblioteca Mário de Andrade de São Paulo –fundada em 1925, é a maior biblioteca pública da cidade. 

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