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"diversidade e futuro"

O mercado editorial brasileiro é desigual e diverso como o país que representa. Como em todo o mundo, contém muitos mercados dentro dele, alguns com ritmo quase imperceptível na pulsação do todo. E, para ilustrar esse cenário, os números e suas sutilezas.

 

Em Censo de 2010, das 498 editoras brasileiras consideradas ativas pelos critérios da Unesco, quase metade era composta de pequenas e valentes editoras independentes, com faturamento de até R$ 1 milhão de reais por ano, enquanto três delas, com faturamento anual superior a 150 milhões de euros em 2011, eram incluídas entre as maiores do mundo: Abril Educação, 46ª posição; Saraiva, 52ª e FTD, 56ª.

O que se vê por trás da composição do mercado é desigualdade, por um lado, mas também diversidade, certamente muito maior do que a captada por esse tipo de mensuração. A diversidade está nos sujeitos, e deveria estar nas comunidades, nos mercados e nos livros. A bibliodiversidade, como definido pela aguerrida associação de editores independentes brasileiros, é “um complexo e autossustentável sistema de contar e fazer circular histórias, escrever, publicar e de outras formas de produção da oratória e da literatura, em que a palavra contribua com um ecossistema social, diversificado e saudável.” O índice de bibliodiversidade é discutido no mercado e nas políticas públicas de aquisição de acervos, e cultivado por pequenos e múltiplos editores que navegam pelas águas turbulentas de um setor com infraestrutura insuficiente e rede comercial precária. Entre calmarias e tempestades, eles representam áreas culturais importantes, muita arte e inovação e, com sorte, também uma gama de vozes locais, culturas tradicionais, gêneros marginais, com seus repertórios únicos e campos semânticos particulares.

 

Editores com vocação são muitos por aqui e, como em toda a história do livro, compartilham saberes, técnicas e funções tradicionais do ofício, além do desafio maior de todos, a formação do público leitor, garantia de seu futuro. Pois no Brasil de desigualdades marcantes, espalhadas por um território gigante, o baixo nível de leitura (apenas cerca de 50% se declaram leitores) poderia sinalizar um mercado potencialmente promissor, no estilo "pior não pode ficar". Foi assim que editoras estrangeiras aqui aportaram suas caravanas, reconhecendo também o luminoso farol das vendas públicas, que representa quase um terço do setor.  O Governo Federal brasileiro é um dos maiores compradores de livro do mundo, fator que pode ter alavancado, à época, as grandes empresas de didáticos no ranking de 2011 mencionado. Mas, desde 2006, início da série histórica da Fipe, o cenário mudou para todos. Acentuado pela crise de 2015, o setor editorial encolheu –– 21% entre 2006 e 2017, uma perda de 1,4 bilhões de reais, e o número de leitores continua praticamente o mesmo. Prova disso é que no Global 50. The Ranking of International Publishing de 2018 a Saraiva já não está entre as maiores editoras do mundo, juntamente com a Somos, ex-Abril e a FTD, que continua firme e forte.

 

Nesse exato momento, no entanto, o Grande Comprador parece querer acordar o mercado: depois de alguns anos sem adquirir livros de literatura para as bibliotecas das escolas públicas, lançou um controverso primeiro edital em que insere o gênero na sala de aula, por meio do Programa Nacional do Livro Didático. Cerca de 300 editoras brasileiras dispuseram-se a, à luz da Base Curricular Nacional, inscrever por volta de 1,2 mil títulos literários com paratexto e um “manual do professor” especialmente preparados para a sala de aula, destacando suas possibilidades pedagógicas e de desenvolvimento de competências. Foram selecionadas 704 obras, que serão escolhidas de forma descentralizada por cada escola brasileira, respeitando-se os projetos pedagógicos e o gosto pessoal dos educadores. Ainda não conhecemos o resultado dessa experiência, mas ela certamente poderá nos dizer alguma coisa sobre a escola pública brasileira e seu preparo para enfrentar o desafio da formação dos leitores de agora e do mercado do futuro.

Renata Farhat Borges

Renata Farhat Borges – Jornalista, Mestre em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP. Publicou textos jornalísticos e os literários Amigagem(2009) e Inveja (2010). É editora da Peirópolis e de mais de 500 publicações nacionais. Como pesquisadora, dedica-se à história do livro, à criação das figuras do autor e do editor e às adaptações literárias para quadrinhos.

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